sexta-feira, 21 de maio de 2010

Metafísico



Quem vê seu Chico (Francisco José Rabaça), 59, bebendo a cachacinha matutina com limão ao lado do Cemitério São Paulo não imagina as histórias deste senhor sobre a Vila e especificamente sobre a necrópole citada. Desde criança, seu Chico empenha-se na preservação de túmulos, ofício que aprendeu com o pai – imigrante português que aportou no bairro três anos após a 2ª Guerra com mulher e quatro filhos. Chico foi o único a nascer no Brasil.
São Paulino roxo, é categórico em dizer: “Devo tudo ao cemitério”. “Já presenciei coisas aí dentro difícil de acreditar”. Entre as ‘coisas’ que testemunhou, algumas de arrepiar os cabelos. “Certo dia um casal de idosos veio visitar um túmulo. Ouvi um tiro e corri para ver o que sucedera. O cara tinha assassinado a mulher e em seguida se suicidou. Ambos despencaram sobre a lápide. Soube, depois, que a senhora estava com uma doença grave.”
São várias as histórias de suicídio e violência no Campo Santo. A última faz menos de um ano. “Uns integrantes dessa turma gótica, punk, esses que se vestem de preto e costumam invadir o lugar à noite, entraram em conflito. A briga foi feia. Quando chegamos lá, um rapaz com uma capa preta estava caído e sangrava muito. Parecia coisa do outro mundo. O ‘nego’ (ajudante) ficou ‘branco’ pela primeira vez. Chamamos a ambulância mais duvido que ele tenha sobrevivido.”
Seu Chico manca da perna e tem um braço com pouco movimento. Adotou uma criança que, hoje, adulto, casou-se e tem um filho. “É meu neto, minha alegria na vida, diz. “E todos trabalham no cemitério. Graças a Deus!”
“Tenho saudades da Vila, quando era mais tranquila. A iluminação era diferente. Quando menino, meu pai mandava para a cama depois do Repórter Esso (programa de TV). Mas quando faltava luz e acendíamos fogueira sob a Lua tínhamos permissão de ficar até mais tarde. Os vizinhos saíam de suas casa, ajuntavam-se e compartilhavam suas vidas.”
Fiz a foto de seu Chico com o cemitério ao fundo. Combinamos de registrar outras imagens lá dentro, no lugar das tragédias.

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